O que nos forma como terapeutas? Reflexões com Ischa Bloomberg sobre a prática e a transmissão da Gestalt

Hoje trago pra vocês um entrevista com Ischa Bloomberg, publicada na revista Figure Emergenti, que é mais do que um registro histórico. É um mergulho nos fundamentos éticos, políticos e existenciais da prática gestáltica. Bloomberg foi aluno direto de Fritz e Laura Perls, criadores da Gestalt, na década de 1950. Ao falar da formação de terapeutas, ele nos convida a pensar não apenas sobre como ensinar técnicas, mas sobre como encarnar uma postura viva e ética no encontro com o outro.

Ser terapeuta é correr o risco do contato

Bloomberg destaca que a Gestalt não busca cavar o passado nem decifrar códigos inconscientes. O foco está no contato. E contato exige risco. Estar com o outro, de verdade, implica a possibilidade de ser afetado, de não ter garantias, de se transformar na relação.

Para isso, é preciso uma qualidade de presença que ele chama de transparência. Não se trata de revelar tudo, mas de permitir que o outro veja o processo terapêutico como algo legítimo e honesto. O que sustenta o processo não é a autoridade, mas a presença clara e íntegra do terapeuta. Isso, segundo Bloomberg, é o que impede o esgotamento. Quando o terapeuta precisa esconder sua prática ou criar um personagem, o trabalho perde vitalidade.

O formador como terapeuta que se mostra

Na formação gestáltica, Bloomberg defende que o didata deve ser também terapeuta. Mas não basta ser bom terapeuta. É necessário que sua prática seja compreensível, visível, acessível a quem está em formação.

Ele observa que muitos terapeutas desenvolvem especializações em certos tipos de bloqueios ou padrões. Mas o formador precisa conhecer a gama completa dos modos de interrupção do contato. Formar alguém é uma tarefa ética. Não se trata de ensinar truques, mas de ajudar a pessoa a descobrir sua própria forma de estar em relação com o mundo.

Criatividade e repetição: a escolha possível

Bloomberg aprofunda uma distinção fundamental entre funcionamento criativo e funcionamento repetitivo. Os padrões de comportamento que criamos na infância servem, em grande parte, como defesas diante de ameaças reais ou percebidas. Mas, ao chegar à vida adulta, continuamos operando com esses mesmos mecanismos, mesmo quando já não são mais necessários.

A terapia, então, não busca corrigir ou eliminar o padrão. Ela propõe criar uma situação de apoio suficientemente segura para que a pessoa possa experimentar algo novo. A ansiedade, diz Bloomberg, é o sinal de que a excitação foi interrompida. Por trás dela, há energia vital, impulso de contato, desejo de expressão. O papel do terapeuta é ajudar o paciente a reconhecer esse impulso e sustentar a possibilidade de escolha.

Cultura, corpo e fronteira de contato

Outro ponto potente da entrevista é o reconhecimento de que o contato acontece sempre em um campo cultural. Bloomberg observa que as interrupções mais comuns variam conforme o contexto social. Em alguns países, o ponto sensível pode ser a autoridade. Em outros, o dinheiro ou a sexualidade. O terapeuta precisa conhecer essas nuances, pois elas moldam a forma como o paciente se protege e se permite entrar em contato.

Ele também insiste na centralidade do corpo na clínica gestáltica. Trabalhar com o ritmo, com o gesto, com a respiração e com o espaço não é um recurso adicional. É parte da própria escuta. Bloomberg foi um dos pioneiros em integrar práticas corporais e meditativas à Gestalt, criando um caminho encarnado e vivencial de cuidado.

Formar é um ato ético

Bloomberg não acredita em certificados padronizados. Ao final de seus cursos, oferece uma carta pessoal, descrevendo o percurso de cada aluno. Para ele, o processo de formação deve ser guiado pelo desejo autêntico de aprender, e não por uma busca por status profissional.

Essa ética também se aplica à seleção de alunos. Ele afirma que nem todas as pessoas estão prontas para formar-se terapeutas, e é responsabilidade do formador dizer isso. Recusar alguém não é um ato de exclusão, mas de cuidado com o campo. Melhor um conflito no início do que um terapeuta mal preparado em atuação clínica.

A transmissão como gesto político

A entrevista com Bloomberg é uma convocação. Um chamado para lembrarmos que a formação em Gestalt não se reduz a técnicas ou escolas. Trata-se de criar espaços vivos, onde a relação com o outro seja possível, onde o desejo por contato seja sustentado com ética e presença.

Bloomberg nos lembra que formar terapeutas é um gesto político. É escolher, a cada encontro, qual mundo queremos construir. E, sobretudo, é reconhecer que só podemos formar alguém se estivermos dispostos também a sermos transformados no processo.


Referência
Mazzucchelli, M. (2025). Intervista: la formazione in Gestalt Therapy. Figure Emergenti – Rivista della Scuola Gestalt di Torino. 2019 | Numero 4: Un senso. Disponível em: https://figuremergenti.it/radici/intervista-la-formazione-in-gestalt-therapy

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